quinta-feira, dezembro 8

SNS, pior que na troika

... Denuncia na sua campanha “imposições absurdas do poder político na relação médico-doente”. 
Para mim é talvez a questão principal. Quando o ministro da Saúde, qualquer ministro, vem anunciar que as consultas e cirurgias aumentaram, falta saber é se os tratamentos melhoraram, se as complicações diminuíram. Estes indicadores não existem. Há aquela ideia de que é preciso centrar a saúde no doente. Como se faz isto? Dando informação ao doente. Devia começar-se por definir as principais patologias e apresentar os resultados por hospital – também para os hospitais privados, que não podem estar em roda livre. 
O ministério atual, como o anterior, diz que nunca houve tanta transparência. Faz sentido divulgar a atividade, os números, falta começar a falar dos resultados. Voltando às imposições absurdas, em que se sentem? Nos tais indicadores do acesso e na pressão que isso gera. Os hospitais têm pouca gente e para tentarmos dar resposta, nomeadamente aos doentes oncológicos, acabamos por ter consultas com muito mais doentes do que devíamos e menos tempo. Para melhorar a qualidade do ato médico é preciso definir o tempo da consulta. 
O que tencionam fazer? 
Temos de pensar as diferentes dimensões. O tempo de comunicação com o doente, o tempo para lidar com o sistema informático, que nem sempre funciona bem e tem um grau de complexidade enorme – há umas dez aplicações diferentes que não estão interligadas. É preciso ainda tempo para tirar dúvidas: os médicos não são um computador. Antigamente tínhamos o simpósio terapêutico, hoje temos a internet, mas às vezes é preciso ligar a um colega. Finalmente, é preciso tempo para explicar ao doente o que vamos fazer. 
Não há um aumento significativo no orçamento da Saúde. Como vê 2017? 
Com preocupação. Não acredito que, com este orçamento, os verdadeiros problemas do SNS sejam resolvidos. Estamos a falar de pequenos e grandes hospitais no limite, como o São João ou o Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra. 
Sente que o SNS está a ficar um sistema para pobres, desnatado? 
 Se continuar assim, sim. Sempre que oiço alguém com responsabilidades políticas dizer que o SNS é a maior conquista da democracia ou que temos de parar com a política hospitalocêntrica, sei que vão acabar a fazer o mesmo. Nos últimos cinco anos houve um total desinvestimento e isso não foi ainda invertido. O ministro Paulo Macedo fez uma coisa que Adalberto Campos Fernandes tem continuado: concentrar a medicina cada vez mais nos grandes hospitais públicos e privados. 
Nos hospitais privados? 
O SNS continua a recorrer muito a hospitais privados. 
A tutela quer internalizar a resposta. 
No São João, a maior parte dos exames, mais de 50%, vêm do exterior. Acho bem que queira internalizar, mas só é realista com investimento. 
 Está desiludido com o ministro? 
O prof. Adalberto Campos Fernandes conhece bem os dossiês. Acho que tem uma ideia exata do que está a acontecer, não está é a ter capacidade política para impor a sua visão dentro do governo. O SNS está a perder qualidade e é um serviço relativamente barato. Se não investirmos, começa a apagar-se devagarinho.
 Está mais em risco do que durante o programa da troika? 
Está. Não houve reformas de fundo. O problema é que não há reforma sem investimento e, por isso, raramente há reformas. 
Agora há o novo conceito do reformismo incremental, introduzido pelo Presidente da República. 
Marcelo é uma pessoa muita inteligente e está a dar dicas ao governo. Na Saúde ainda não tem havido mudanças significativas. Este ministro tem um ano de governação. Sei que não se pode avaliar um ministro por um ano, pode fazer muito nos três anos que faltam. Os sinais iniciais foram positivos, com o discurso afável que colocava em primeiro lugar os doentes e os profissionais. Foi uma opção inteligente mas, na prática, as pessoas começam a sentir que as coisas não estão muito diferentes. Os sítios que tinham mais problemas continuam a ter. E sítios que não tinham passaram a ter. O que é prejudicado são os equipamentos, duram sempre mais um bocadinho. É como os iogurtes. Mas quando se começa a chegar a um ponto-limite, a importância dos equipamentos de imagem para detetar metástases ou a radiação devem fazer-nos pensar. 
 Entrevista de Miguel Guimarães link 
Excelente entrevista. A demonstrar preparação do candidato. Mais uma dor de cabeça para ACF. 
Entre os profissionais da saúde, começa a generalizar-se a ideia de que este ministro é incapaz de desenvolver as reformas de fundo que o SNS carece para sobreviver. Isto não vai lá só com tretas.

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1 Comments:

Blogger Tavisto said...

Temos ou não falta de médicos no país?

Temos mais de 45 mil médicos inscritos na ordem. Pelos números que a OCDE divulgou recentemente, temos 4,4 médicos por mil habitantes, somos o país com mais médicos. No SNS temos 26 mil médicos, mais de 9 mil em formação, o que significa 18 mil especialistas. Portanto, temos médicos suficientes para garantir as necessidades, não estão é no SNS.

Uma boa entrevista de Miguel Guimarães. Excelente no diagnóstico embora impreciso na terapêutica.
Como resolver este desencontro entre médicos e SNS no atual contexto: mercado não regulamentado e com livre circulação profissional entre público e privado?

4:46 da tarde  

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