domingo, junho 18

APAH, entrevista

GH: Como sabemos a carreira de Administração Hospitalar existe desde 1968 e ainda hoje se discute a falta de regulamentação no acesso à profissão de administrador hospitalar bem como respectiva carreira. Num artigo publicado este ano, e da sua autoria, referiu ser “imperativo garantir um consenso alargado para um quadro de qualificação da administração hospitalar/gestão em saúde, passando pela educação especializada, processo de recrutamento transparente, avaliação do desempenho e formação contínua”. Na sua opinião, enquanto Presidente da APAH, quais são os principais passos a serem dados para a existência de uma verdadeira regulamentação da profissão e da carreira de Administrador Hospitalar?
AL: No próximo ano a carreira de administração hospitalar completa 50 anos. É um momento marcante para a maturidade da gestão profissional em saúde. A agenda da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares tem sido muito clara. Temos feito os nossos melhores esforços para sensibilizar os vários níveis de intervenção e decisão para a importância da profissionalização da gestão em saúde. Temos todos os sinais que nos permitem afirmar que esta mensagem tem sido bem-recebida e aceite por todos os actores. Claramente existe um largo consenso que a qualidade dos cuidados de saúde está dependente de um quadro gestionário competente. Esta competência é assegurada por gestores com formação e experiência profissional adequadas, recrutados e avaliados de forma transparente. Reparem que esta não é uma matéria de administradores hospitalares. A qualidade da gestão influencia toda a resposta do sistema de saúde. Por isso mesmo, temos procurado envolver os vários parceiros nas actividades da APAH como o "Caminho dos Hospitais", o "Fórum do Medicamento" ou as "Conferências de Valor".
Neste percurso temos tido sensibilidade por parte do Senhor Ministro da Saúde e da sua equipa. Os passos dados no sentido da criação do grupo de trabalho para a revisão da carreira e a aprovação do relatório e proposta de Decreto-Lei apresentados sinalizam a importância dada ao tema. Contudo, importa ter a noção sobre a relevância do momento e a responsabilidade dos administradores hospitalares. A confiança depositada em nós é algo que nos deve honrar, mas também responsabilizar. Mais do que administradores/ gestores devemos ser líderes da mudança do sistema de saúde. Para isso devemos ter um desempenho exemplar. Foi com este objectivo que lançámos a Academia APAH – um programa compreensivo e contínuo de formação em gestão em saúde. No passado dia 31 de março, os administradores hospitalares responderam de uma forma unânime à proposta de revisão da carreira. Nos próximos tempos devemos dar prova de dinamismo e liderança nos locais onde desempenhamos funções.
GH: É do conhecimento geral que os hospitais públicos portugueses têm sentido, nos últimos anos, diversas mudanças estruturais no modelo de gestão e financiamento. De algumas declarações suas vindas a público denota-se alguma preocupação nestas sucessivas alterações, que não tiveram em conta a total garantia da qualificação e responsabilização da gestão hospitalar. Defende que o modelo de gestão em saúde deveria garantir a qualidade dos gestores com formação específica e idoneidade para o exercício de funções? Em que termos?
AL: O sucesso de qualquer entidade/empresa passa pela qualidade da sua gestão. No SNS não temos sido capazes de garantir a qualidade no recrutamento de gestores, nem de realizar uma avaliação do seu desempenho. Por outro lado, não podem existir dúvidas de que a qualidade dos gestores e dirigentes depende da sua formação e dos conhecimentos, capacidades e competências que detêm. Estou em crer que nestes aspectos existe um elevado consenso nacional. Recentemente, o Decreto-Lei 18/2017, veio reforçar o imperativo de uma maior capacitação dos conselhos de administração e dos órgãos de gestão intermédia, cujos membros deverão possuir formação específica relevante em gestão em saúde e experiência profissional adequada, e uma aposta na transparência e igualdade de oportunidades nos processos de nomeação de directores de serviço. Contudo, a aposta do legislador foi de uma natureza qualitativa. No nosso ponto de vista, seria desejável avançar para critérios mensuráveis de uma forma transparente, como por exemplo um número mínimo de anos em lugares de direcção intermédia, como critério de acesso aos lugares de direcção de topo. De qualquer forma, será importante acompanhar o cumprimento destas novas orientações e em particular os reais impactos da sua aplicação.
Por outro lado, existe actualmente um modelo proposto para a carreira de administração hospitalar por um grupo de trabalho do Ministério da Saúde que mereceu a aprovação unânime dos administradores hospitalares. A direcção da APAH defendeu e defende esta proposta. A proposta é balanceada e corresponde a uma evolução do modelo. Não tenhamos ilusões, é preciso ir bem mais além. O investimento num corpo dirigente na área da gestão em saúde deve ser acompanhado por um programa de formação contínua e por uma avaliação do desempenho transparente.
GH: Considera que a falta de liderança é uma das principais causas para a deterioração económica e financeira na área da saúde? E, se sim, em que termos podem os Administradores Hospitalares ser responsabilizados pelo estado actual e, em sentido contrário, vir a contribuir para uma mudança de paradigma?
AL: A falta de uma gestão profissional do sistema de saúde é uma das principais causas para a deterioração económica, financeira e organizativa do SNS. A inexistência de um quadro transparente de avaliação e responsabilização face aos resultados permitiu agravar esta situação. Muitas vezes vemos maus desempenhos a serem premiados com reconduções e bons desempenhos a merecerem a demissão. Ora, a ausência de critérios para o exercício de funções, a ausente meritocracia e a injustiça na gestão do sector, tornam o sistema perverso, afastando os melhores gestores. Assim, estes permeabilizaram o SNS à possibilidade de muitos dos cargos de gestão serem exercidos por profissionais sem conhecimentos na área da saúde. Naturalmente, os administradores hospitalares têm um papel e uma obrigação a desempenhar na inversão desta situação. Não através da passividade, mas através de uma activa participação na busca de conhecimentos e soluções para o SNS.
GH: Na sua opinião, quais os principais desafios da gestão em saúde? E, nesse contexto, de que forma podem os Administradores Hospitalares contribuir para a sustentabilidade do SNS e consequentemente para a melhoria dos cuidados de saúde à população?
AL: Os desafios da gestão em saúde são imensos. Geralmente, falamos da evolução demográfica, tecnológica e de expectativas da população. Por outro lado, o crescimento económico anémico dificulta a obtenção de receita para os cuidados de saúde universais. Contudo, existem um sem-número de oportunidades únicas para melhoria e para fazer evoluir o nosso sistema. A tecnologia, a informação e conhecimento atingiram patamares extraordinários. Estes desenvolvimentos irão permitir desenhar cuidados centrados nos interesses da comunidade – gestão de base populacional –, e ao mesmo tempo, considerar a individualidade de cada cidadão e dos resultados a alcançar. O aproveitamento de todas estas potencialidades e realidades exige uma nova geração de líderes em saúde, com elevados níveis de conhecimentos técnicos, mas também de natureza comportamental. Os administradores hospitalares pela sua formação em saúde pública/administração/gestão e experiência profissional estão posicionados para ocupar este novo espaço, estando cientes que teremos de evoluir nos modelos de educação, formação contínua e avaliação de desempenho. Esta nova liderança será discutida no congresso da Associação Europeia de directores/gestores hospitalares que a APAH organiza em Portugal no próximo ano. O congresso será subordinado ao tema: "Innovating in Public Health, Redefining the role of hospitals". Para além de um grande momento de partilha de experiências com todos os actores será também um momento inspirador para moldar o futuro.
Entrevista, presidente da APAH, Alexandre Lourenço, Revista da APAH junho 2017  link

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